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OS IMPACTOS NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS E O DESEQUILÍBRIO CAUSADO EM DECORRÊNCIA DO CORONAVÍRUS

24/03/2020 | por Dickel edição | Direito Civil

Estamos vivendo um momento nunca visto antes em toda a história. No dia 11 de março, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou a pandemia do coronavírus, denominado SARS-COV-2, vírus oriundo do antigo SARS, causador da então doença denominada de COVID-19.

Pelo fato desta pandemia ter alterado as relações jurídicas em todo o planeta, podemos então mencionar que ela acabou causando um fato jurídico extremamente relevante e que a partir deste, incidiu diretamente no plano do Direito Civil, de forma específica, no que tange aos Direitos das Obrigações e dos Contratos.

Diante do enfoque do tema, que é sobre os impactos nas relações contratuais e o desequilíbrio destas, causado em decorrência do coronavírus, são imensuráveis os impactos nas relações contratuais, contudo, nesse artigo será abordado acerca  das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, na óptica das relações civis, que surgem como uma luz a essas relações em desequilíbrio.

Podemos exemplificar com um caso hipotético, onde denominada sociedade que realiza festas a “Festas X” celebrou contrato de locação com a “Empreendimentos Imobiliários Y”, na data de 10 de janeiro de 2019, no “Município Z” locando um salão para realização de eventos diários, onde fora pactuado o valor pecuniário de prestações mensais de R$ 15.000,00, durante o prazo de cinco anos. Desde a data de celebração do contrato, a Festas X vem promovendo diversas eventos para o seu público sempre assíduo neste estabelecimento.

Contudo, levando em consideração a data atual e todos os fatos imprevisíveis que começaram a acontecer, alheios a vontade das partes, movidos a força maior, sendo esta a pandemia causada pelo coronavírus em 2020, na data de 19 de março deste ano, fora decretado a proibição, por tempo indeterminado, enquanto durar a pandemia, no âmbito municipal do Município Z de todas as atividades que acabassem reunindo um aglomerado de pessoas, e com isso, incorreu a proibição da abertura e da promoção de qualquer tipo de eventos que envolvessem reuniões de pessoas.

Levando em consideração que as atividades da Festas X, neste imóvel, são únicas e exclusivas a promoção de eventos e dependem destas para adimplir as suas obrigações, entre elas cumprir com o pagamento dos aluguéis, questiona-se, deve a Festas X ser obrigada a continuar pagando os aluguéis neste período que os eventos estão proibidos? Pode-se pleitear ou tomar alguma medida juridicamente possível a esse respeito?

Para responder estas perguntas precisamos entender que existem fatos que são capazes de afetar uma norma. Recorrendo à história, podemos citar dogmas e excepcionalidades decorrentes de situações adversas que acabaram imperando sobre estas normas anteriormente determinadas. Neste sentido, podemos mencionar que o Direito passa a seguir uma convicção de que os contratos de execução continuada ou diferida, precisam ser cumpridos perante as circunstâncias fáticas do momento da contratação, data de sua celebração.

Esta convicção é denominada por doutrinadores como uma chamada cláusula rebus sic stantibus, projetada de expressão em latim, onde traduzida significa que os “contratos de tratos sucessivos que dependem de circunstâncias futuras se entendem pelas coisas como se encontram”.

Em nosso ordenamento jurídico brasileiro, a ideia desta expressão está ligada diretamente às teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva dos contratos, sendo elas:

Teoria da Imprevisão 

Após conceituada pelos doutos a cláusula rebus sic stantibus, somada a diversos precedentes da justiça Europeia e, diante da virada do século XIX para o XX, somado a uma lei francesa, onde o Brasil espelhou-se para a criação do seu Código Civil brasileiro, começa a adotar a denominada teoria da imprevisão.

Disposta em nosso Código Civil brasileiro de 2002, no art. 317 que aduz “quando por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Desta forma, há a previsão de revisão contratual segundo o nosso ordenamento jurídico.

Teoria da Onerosidade Excessiva

Da mesma forma que a teoria da imprevisão, está a teoria da onerosidade excessiva elencada em nosso Código Civil brasileiro de 2002, no art. 478 que alude “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

Já o art. 479 expõe, nos moldes do princípio da conservação do negócio jurídico, determinando que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

Assim, podemos chegar ao ponto nodal que é o objeto do tema, onde nosso ordenamento jurídico brasileiro admite tanto a resolução do contrato, a pedido da parte prejudicada, quanto a sua revisão, desde que esta parte beneficiada ofereça-se para restabelecer o equilíbrio contratual, seja através de alguma garantia, ou de alguma outra oferta que restabeleça esse equilíbrio contratual.

É importante mencionar que para que seja admitido tais condições, deve-se observar pressupostos para a aplicação da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, sendo eles: I) a necessidade que os contratos sejam cumulativos de execução diferida ou continuada; II) alteração da realidade em que foi realizado o negócio jurídico à época da contratação; III) que essa alteração fosse inesperada e imprevisível; IV) que esta alteração tenha promovido um desequilíbrio entre as prestações; V) oneração excessiva para uma das partes;  VI) vantagem extrema para um contratante.

 

DA APLICAÇÃO AO CASO HIPOTÉTICO DA TEORIA DA IMPREVISÃO E DA ONEROSIDADE EXCESSIVA DIANTE DA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS

Explanado as teorias, aplicando agora ao caso hipotético entre a Festas X e a Empreendimentos Imobiliários Y, devemos fazer a aplicação dos pressupostos diante dos fatos, onde:

Primeiramente, há um negócio jurídico de execução continuada entre as partes, preenchendo o requisito I.

Após ter sido proibido a realização de todas as atividades que acabassem reunindo um aglomerado de pessoas, neste caso a promoção de festas e eventos no mês de março de 2020, acabaram alterando as circunstâncias de execução do contrato, requisito II.

Pelo fato da pandemia coronavírus à época da celebração do contrato, em janeiro de 2019, ser algo imprevisível em março de 2020, preenchemos o requisito III, ressaltando que na época da celebração não havia nenhum caso em que pudesse obstar esse requisito em que se pudesse alegar alguma escusa para o inadimplemento decorrente deste.

A proibição de todas as atividades que acabassem reunindo um aglomerado de pessoas, promoção de festas e eventos, incide no requisito IV, sendo ele o desequilíbrio entre as prestações, que, neste caso, é o aluguel de R$ 15.000,00.

Até aqui respondendo as questões, se a Festas X era obrigada a pagar os aluguéis neste período que os eventos estão proibidos e se poderia pleitear ou tomar alguma medida juridicamente possível a esse respeito.

Podemos concluir que a Festas X poderia pleitear, até aqui pedir a revisão do contrato de locação, com base na teoria da imprevisão (art. 317).

Porém devemos levar em consideração o fato de que foi decretado a proibição é por tempo INDETERMINADO, ora, se ao menos fosse decretado esta proibição durante um tempo determinado faria sentido o pleito da revisão para uma possível redução do valor convencionado do aluguel até que esta situação por fim cessasse.

Contudo, o contrato fora celebrado em 10 de janeiro de 2019, com duração de 5 anos, e não se sabe até quando esta situação, fato imprevisível, decorrente da pandemia irá perdurar, desta forma não causou apenas um significativo desequilíbrio entre as prestações, mas acabou tornando o contrato excessivamente oneroso para a Festas X que teria que pagar um aluguel pelo qual não estaria utilizando o imóvel ao seu fim inicialmente pactuado, restando preenchido o requisito V e, ficando assim um negócio extremamente vantajoso para a Empreendimentos Imobiliários Y que está recebendo um aluguel por um imóvel que não está sendo utilizado, satisfazendo o VI e último requisito dos pressupostos.

Desta forma pode a Festas X, perfeitamente pleitear, diante dessa situação hipotética a resolução do contrato de locação, com base na teoria da onerosidade excessiva (art. 478).

Contudo, caso a Empreendimentos Imobiliários Y, se comprometer em não realizar a cobrança de aluguel enquanto permanecer esta situação, poderá, neste caso, o juiz decidir apenas pela revisão do contrato, conservando-o motivado pela boa-fé da contratada em não cobrar os aluguéis e pelo equilíbrio contratual que fora restaurado.

Se você é um empresário, empreendedor, ou mesmo possui ainda alguma dúvida acerca de alguma situação que está enfrentando, não deixe de procurar o auxílio de um profissional qualificado. É extremamente importante salientar que cada situação possui peculiaridades e que estas devem ser minuciosamente observadas e analisadas a fim de que se possa conduzir da melhor forma possível para a resolução de cada caso concreto.


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